Nas primeiras vezes que eu li o texto da
Grande Comissão e vi Cristo dizendo que deveríamos ensinar os
discípulos a obedecer tudo o que Ele ordenou, eu fiquei me perguntando
onde o resto do Novo Testamento entrava nisto. Não bastaria ficarmos com
aquilo que Cristo falou, e só? Se temos os ensinos do próprio
Deus-Filho registrados, para que mais palavras de homens mortais? Com
pouco tempo de fé, pude encontrar boas respostas para meus
questionamentos infantis. Porém, muitas pessoas ainda estão confundidas
com este assunto. Um exemplo de promotor deste tipo de confusão é Caio
Fábio, que hoje tem arrebanhado para sua religião muitos seguidores e
fiéis:
Eu
estou em Jesus, eu não estou na Bíblia. [...] O cara que quiser que
Jesus e a Bíblia toda deem certo tá danado. [...] Pela Bíblia é melhor a
gente acabar esse programa porque está todo mundo danado. [...] eu não
ando [conforme o texto bíblico], tanto quanto Jesus [...]. Quem quer
andar com Jesus, é assim. Quem quer base bíblica, vira fariseu, joga
pedra.[1]
Em outro lugar, Caio Fábio diz que
aquilo na Escritura que não está afirmando ou que 1. Jesus é Deus, ou
que 2. somos pecadores, não passa de capricho ignorando por Cristo:
É
estranho como Jesus e os apóstolos não usaram a Bíblia como argumento
de fé [...] Afinal, a Bíblia jamais seria a apologia de Jesus; posto que
Jesus fosse o Verbo vivo e falando o que a Bíblia nem poderia sonhar em
falar, revelar e dizer… Cristãos que vivem para defender a Bíblia ainda
não conheceram Jesus mesmo! [...] Da Bíblia o que se pode dizer é que
ela é fiel como Palavra apenas porque afirma que Jesus é Deus e eu sou
dos pecadores o principal! O mais é um diletantismo ao qual Jesus jamais
teria tempo e animo para se dar… Depois que o Evangelho entrou em mim a
Bíblia passou a ser apenas um Testemunho, mas não o Testemunho! Sim,
pois em mim o Testemunho é o do Espírito! [2]
Em outro momento, concordando que o
Jesus dos evangelhos não se parece nada com o Jesus que Paulo apresenta
em Romanos 9-11, chamando esta posição de “simples, sábia e sensata”,
Caio Fábio diz que estes capítulos são “um apêndice de um surto paulino”
que não se parece com nenhum outro escrito ou com a prática de Paulo.
“Na minha opinião, Romanos 9, 10 e 11 são totalmente dispensáveis. Sabe
porque? A descrição de Paulo, tentando explicar o inexplicável, criou
uma bananosa filosófica”. Ele ainda diz que as palavras negativas do
texto, como “odiou”, não cabem, pois “não parecem com o todo de Jesus”.
“Eu prefiro ficar com Jesus, que não sendo Paulo”, pregou coisas
diferentes.
“Isso é o poder dessa chave hermenêutica”, diz ele. ”Meu
amigo Paulo, eu lamento muito que você tenha tentado fazer essa viagem.
Você não tinha nem linguagem. Você não tinha adequação”. ”É uma conversa
que tem a ver com a dimensão de um homem judeu, psicologicamente
maltratado, frustrado, perseguido, magoado”. Ele diz que vê, neste
texto, “o surto do Paulo judeu”. Ele chama ainda, esta atitude de Paulo
de uma “gafe” que empobreceu e enfeiou Deus. “quando Paulo coincide com
Jesus, Paulo tá com tudo, quando Paulo fala como Paulo, eu olho um
homem, um tempo, uma relatividade, uma circunstância”. Ele,
literalmente, lança várias repreensões e conselhos ao apóstolo Paulo em
vários momentos do vídeo [3].
A prerrogativa que ele e seus discípulos
usam para tal posição é que eles possuem Jesus como chave-hermenêutica.
Para eles, isso significa que só deve ser aceito como verdade Bíblica
aquilo que for semelhante à imagem que eles possuem de Cristo. Se
qualquer outro trecho da Escritura ensinar algo que, porventura, não
pareça pertencer ao Cristo, então deve ser considerado anátema.
O que Caio Fábio e seus pupilos não
conseguem perceber é que ter Jesus como nossa chave hermenêutica
significa que nós vamos ler toda a Escritura procurando como cada
ensino, cada doutrina e cada livro se relaciona com o Plano maior de
Deus na redenção de Cristo, e não que vamos solapar tudo aquilo que não
gostamos na Escritura com a desculpa de que “Jesus não pregaria isso”.
Assim, uma constatação torna-se inegável: praticamente todos que advogam
ter Jesus como chave hermenêutica são ímpios que leem a Escritura
desconsiderando tudo aquilo que suas mentes carnais odeiam.
Você
encontra esta loucura nos blogs e comentários de tais homens. Ter Cristo
como chave hermenêutica deveria nos motivar a encontrar como a história
do Evangelho está prefigurada, confirmada, anunciada, ilustrada ou
ensinada em cada página da Bíblia, e não nos fazer arrancar da Escritura
tudo aquilo que a gente acha que Jesus não diria. Aqueles que dizem que
as palavras de Jesus são mais importantes que as de Paulo, não
entenderam as palavras de Jesus.
Eu, sinceramente, não entendo como uma
pessoa inteligente pode cair em erro tão crasso. A igreja está
fundamentada na doutrina dos Apóstolos (Ef 2:20). Nós não vimos Jesus
pessoalmente, eles sim. Por isso que Pedro e João podiam falar sobre “as
coisas que vimos e ouvimos”, pois eles estavam lá, e atestaram com
sangue o que pregaram. Assim, como alguém comentou no meu Facebook certa
vez, só pode ser um louco aquele que cisma em separar o ensino Bíblico
do ensino de Jesus, a autoridade bíblica da autoridade de Jesus e a
visão bíblica da visão de Jesus. Os discípulos precisam de toda a
Escritura, e não de parte dela.
É um verdadeiro insulto a Jesus dizer
que nada, a não ser parte do que foi registrado de Sua Revelação ao
longo da história bíblica – a encarnação – vale a pena considerar como
Palavra do Senhor. É como se dissessem que amam tanto suas esposas que
não se importam com as mães, amigos, família, conversa ou qualquer coisa
que não seja ela própria. Estes caem na condenação de Jesus, através de
Paulo, quando condena aqueles que, dizendo ser apenas de Cristo, se
recusavam a ouvir o que diziam os apóstolos (ver 1 Co 1:10-17).
Cristo prometeu aos seus apóstolos não
apenas que o Espírito Santo os faria “lembrar de tudo o que vos tenho
dito” (Jo 14:26), mas também que o Espírito Santo “vos ensinará todas as
coisas” (Jo 14:26) e “vos guiará a toda a verdade” (Jo 16:13). Os
apóstolos receberam de Cristo, através do Espírito, mais daquilo que o
Senhor desejou que soubéssemos. O próprio Jesus deixou claro que
ensinaria mais aos Apóstolos mesmo após Sua morte e ascensão. Paulo
deixa isso claro aos Gálatas: “Irmãos, quero que saibam que o evangelho
por mim anunciado não é de origem humana. Não o recebi de pessoa alguma
nem me foi ele ensinado; pelo contrário, eu o recebi de Jesus Cristo por
revelação” (Gl 1:11-12). É por isso que o apóstolo Pedro podia dizer
que “o mandamento do Senhor e Salvador” foi “ensinado pelos vossos
apóstolos” (2 Pe 3:2), além de dizer que os escritos de Paulo estavam
equiparados com todo o Antigo Testamento, chamando-os de “Escritura” (2
Pe 3:16). Paulo podia dizer: “Se alguém se considera profeta ou
espiritual, reconheça ser mandamento do Senhor o que vos escrevo” (1 Co
14.37).
O apóstolo agradecia a Deus sem cessar pelos Tessalonicenses:
“ao receberem de nossa parte a palavra de Deus, vocês a aceitaram não
como palavra de homens, mas segundo verdadeiramente é, como palavra de
Deus” (1 Ts 2:13). Paulo ensinava “não com palavras ensinadas pela
sabedoria humana, mas com palavras ensinadas pelo Espírito” (1 Co 2:13).
Paulo não poderia ser mais claro: “Cristo fala por meu intermédio” (2
Co 13:3).
Outros livros também entram neste
escopo. O próprio Paulo, em 1 Timóteo 5:17,18 diz fazer uma citação da
“Escritura”, e segue fazendo duas referências: uma a Deuteronômio 25:4 e
outra a Lucas 10:7 (usando até o mesmo fraseado grego)! Para o
apóstolo, os escritos neotestamentários dos evangelhos também eram
Palavra de Deus. Tanto os Evangelhos como as Epístolas no Novo
Testamento vêm a nós com a autoridade de Jesus, e Ele quer que nós
ensinemos essas coisas aos discípulos.
“Somos seguidores de Cristo ou de
Paulo?”, podem perguntar alguns. “Como podemos seguir o ensino de outros
homens além de Jesus?”, já me foi questionado. Respondo, com
sinceridade, que Cristo é meu único Senhor. No entanto, tudo o que
sabemos sobre Cristo vem de Paulo e dos outros discípulos de Cristo. Se
não acreditarmos nestes, não nos sobra nada dAquele. Como alguém pode
dizer que só segue Jesus, e não os apóstolos, se todos os registros que
possuímos sobre Jesus provêm dos apóstolos e de seus companheiros?
Cristo nunca escreveu sobre si. Tudo o que temos sobre Ele passou pela
mão de seus discípulos primitivos.
Crer em Jesus está definitivamente
ligado a crer nos Apóstolos e em seus companheiros. Se você não acredita
na doutrina de Paulo, de Tiago, de Pedro, de Lucas, de Marcos, de
Mateus, de João e de Judas, como você pode acreditar nos registros que
alguns deles fizeram do Messias? Se Paulo disse algo em Romanos ou aos
Coríntios que foi fruto de seus preconceitos ou de sua criação judaica,
por que ele não poderia ter feito o mesmo ao instruir Lucas em seu
registro do Evangelho? Se Pedro não é digno de toda a nossa confiança,
ou se sua doutrina é inferior ou secundária, como podemos dar tanta
atenção àquilo que Marcos aprendeu dele e registrou no Evangelho? Se
Tiago poderia errar, por que não Mateus? Se João se enganou em suas
epístolas ou no Apocalipse, por que acreditamos em seu registro da vida
do Logos? A verdade que muitos tolos ignoram é que, ou você aceita o
Novo Testamento por completo, até a última letra, ou você não tem Jesus,
não tem cristianismo, não tem Bíblia, não tem fé e não tem salvação. Ou
temos o Novo Testamento por completo ou não temos Testamento nenhum.
Deve-se
admitir, então, que se vamos ter uma religião não doutrinária, ou uma
religião doutrinária fundamentada meramente em verdades gerais, isso
significa que não somente temos que nos livrar de Paulo, da igreja
primitiva de Jerusalém, mas também de Jesus.[4]
Infelizmente, ainda há, em pleno século
XXI, quem tente opor Jesus aos outros escritores bíblicos. Como disse
Gresham Machen, tem-se a impressão que o liberal substitui a autoridade
da Bíblia pela autoridade de Cristo. Tal homem diz que não pode aceitar o
que ele considera um ensino imoral do Antigo Testamento ou um argumento
sofisticado de Paulo, em oposição os simples e morais ensinos de Jesus.
Assim, ele se considera o mais puro verdadeiro cristão, uma vez que,
rejeitando todo o restante da Bíblia, ele só depende de Cristo[5].
Paulo deixa claro que as suas epístolas
também são coisas que Jesus agora nos ordena, de tal modo que “aquele
que rejeita estas coisas não está rejeitando o homem, mas a Deus” (1 Ts
4:8). Você entendeu bem o que acabou de ler? Você nega a Deus se ignora
todo o escopo do Novo Testamento! Como comenta Thomas Edwards: “Quem se
recusa a ouvir os apóstolos de Cristo recusa-se a ouvir o próprio Cristo
e atrai sobre si seu descontentamento”[6]. Homens como Caio Fábio e sua
corja, que tratam o que é revelado após Jesus como contaminado com o
machismo, judaísmo ou o diabo estão, na verdade, negando a Deus. O
destino dos que tal coisa fazem é certo e inequívoco, a menos que se
arrependam de sua blasfêmia. Parafraseando o que o Dr. Jay E. Adams diz
sobre Paul Tillich, durante uma das suas preleções na Conferência Fiel
para Pastores e Líderes, em 1989: “Ler ou ouvir um sermão de Caio Fábio é
ouvir o que o inimigo tem a dizer”[7].
__________________________
[1] FÁBIO, Caio. Pra
eles, sou um herege, pois eles estão na bíblia, e eu estou em Jesus!
Disponível em: . Acesso em: 3 jun.
2013.
[2] FÁBIO, Caio. A Bíblia serve a Jesus, não Jesus à
Bíblia! Disponível em:
. Acesso em 5
jun. 2013.
[3] FÁBIO, Caio. Caio, esse trecho da carta de Paulo
não parece com Jesus. Por isso odeio a Jesus! Disponível em:
. Acesso em 28 set. 2013.
[4] MACHEN, Gresham. Cristianismo e Liberalismo. São Paulo, SP: Sheed Publicações, 2012, p. 43.
[5] Ibidem, p. 68.
[6] EDWARDS, Thomas. A commentary on the first epistle to the Corinthians. London: Hodder & Stoughton, 1903, p. 384. [7] Referência muito bem lembrada por Alan Rennê Alexandrino Lima, no Facebook.
***[6] EDWARDS, Thomas. A commentary on the first epistle to the Corinthians. London: Hodder & Stoughton, 1903, p. 384. [7] Referência muito bem lembrada por Alan Rennê Alexandrino Lima, no Facebook.
Fonte: Blog do Yago Martins, via Ump da Quarta. Divulgação: Púlpito Cristão.
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